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Um bilhete só de ida

Portugal está a viver um novo fluxo de emigração. Dos cerca de cem mil portugueses que emigram anualmente, a maioria são jovens qualificados, vítimas do desemprego fatal e da crise que se alastra. São cada vez mais os planos de partida sem uma promessa de regresso. São cada vez mais os jovens que são obrigados a sair de Portugal em busca de estabilidade e de melhores condições de vida porque se sentem invisíveis no próprio país. Que partem de malas aviadas com um bilhete só de ida e que levam muito mais do que simples quilos de roupa. O peso das memórias é inevitável, bem como as recordações de uma vida que formaram até então. Partem de coração apertado, mas sem olhar para trás, não vá a saudade da família afetar a sua decisão.


Talvez seja a decisão mais difícil de uma vida. Abandonar o conforto do lar e da família para embarcar no desconhecido à procura de quem lhes saiba dar valor. Partem esgotados de lutar por um futuro em Portugal e sentem-se traídos pelo esforço e pela vontade de serem melhores. Partem cansados de um país egoísta e esquecido. Esquecido principalmente pelos seus, pela falta de altruísmo e humildade dos grandes, que pouco se deixam afetar por todos os jovens que diariamente deixam o país com o objetivo de traçar um caminho e de formar uma vida. Sentem que tudo o que foi investido foi desprezado e foi em vão. A mágoa dá lugar à revolta.


No entanto, não desistem. Apesar da insegurança e do medo entram num novo campo de batalha dispostos a conquistar o que merecem.


Ainda assim o momento mais difícil é a hora de partida. É o cair na realidade. É a despedida. São as lágrimas e os abraços. Diariamente há inúmeras famílias que ficam destroçadas e pais de coração ferido. Que se fazem de forte perante o filho já crescido que vai abandonar o ninho. Para longe. A voz treme na hora das últimas recomendações e conselhos. Chega o último abraço. O último contacto quase que serve de consolo, embora as emoções sejam impossíveis de controlar. Partilha-se a dor de alguém que parte não porque quer, mas porque é preciso. O último aviso de partida é o que indica a hora da partida. Afinal isto vai realmente acontecer. E o que resta é um vazio enorme, um coração amargurado de quem vai e lágrimas dos que ficam.


Tristeza é pouco para descrever as emoções de quem parte sem regresso e de quem fica inconformado com a situação do país. A saudade é protagonista nas próximas semanas. Dos que vão até do cheiro da rua e do sol de domingo sentem falta. Quem ficou sente um vazio no meio das gargalhadas entre amigos, do lugar que agora não existe no café habitual, na ida à praia e dos desabafos. Quem fica também tem muito a dizer. Orgulha-se do filho ou do amigo destemido que partiu do seu país à aventura. Para um dia, talvez, voltar. 

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Sara Gerivaz

CRÓNICA

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